“No Brasil, tratava-se fundamentalmente de sacrificar o trema e o
acento agudo em meia dúzia de casos. E ninguém se resignava às regras absurdas
de emprego do hífen… Com isso, bastou o abaixo-assinado de uns 20 mil cidadãos
para se adiar a aplicação de uma coisa trapalhona denominada Acordo Ortográfico
(AO). Os políticos ouviram a reclamação, estudaram-na e assumiram-na, e a sr.ª Rousseff decidiu.
Em Portugal, o
número de pessoas que tomaram posição contra o AO já ultrapassava as 120 mil em
Maio de 2009. Hoje, e considerando tanto o Movimento
contra o AO de então como a actual Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) com a mesma
finalidade, esse número é incomparavelmente mais elevado.
Portugal bem pode
propor a todos os quadrantes ideológicos e parlamentares da sua classe política
que se assoem agora a este cruel guardanapo.
Faltou-lhes a
coragem de respeitar as opiniões autorizadas, a capacidade de reflectir com
lucidez sobre o assunto, a vontade cívica de se informarem em condições.
Acabaram a produzir
este lindo serviço, com a notável excepção do relatório Barreiras Duarte, aprovado por unanimidade na
Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura (Abril de 2009), mas que
não teve qualquer efeito prático.
A CPLP, ao
engendrar o torpe segundo protocolo modificativo do AO, violou sem escrúpulos o
direito internacional e traiu a língua portuguesa. Não serve. Mostrou total
inconsciência, incompetência, incapacidade e oportunismo na matéria.
Agora, é evidente
que, de três, uma: ou o Brasil vai propor uma revisão do AO, ou tratará de a
empreender pro domo sua sem ouvir os outros países de língua portuguesa, ou fará como em 1945,
deixando-o tornar-se letra morta por inércia pura e simples.
No primeiro caso,
mostra-se a razão que tínhamos ao insistir na suspensão do AO, a tempo, para
revisão e correcção. A iniciativa deveria ter sido portuguesa e muitos
problemas teriam sido evitados.
No segundo caso,
mostra-se além disso que continuamos a ser considerados um país pronto a
agachar-se à mercê das conveniências alheias. Com a desculpa, a raiar um
imperialismo enjoativo, da “unidade” da língua, em Portugal haverá sempre umas
baratas tontas disponíveis para se sujeitarem ao que quer que o Brasil venha a
resolver quanto à sua própria ortografia. Foi o que se passou em 1986 e 1990.
No terceiro caso,
mostra-se ainda que ficaremos reduzidos a uma insignificância internacional que
foi criada por nós mesmos.
Mas, em qualquer
dos casos, a situação será muito diferente da actual.
O Acordo
Ortográfico não ficará incólume e as suas regras serão revistas e modificadas.
Ninguém esconde no Brasil esta necessidade de revisão e correcção, tão
cultural, social e politicamente sentida que está na base do adiamento
decretado.
Se as regras vão
ser modificadas, e quanto a este ponto não pode subsistir qualquer espécie de
dúvida, será um absurdo absoluto que se mantenha a veleidade de as aplicar em
Portugal na sua forma presente.
Não se pode querer
contestar oficial ou, sequer, oficiosamente a existência de três grafias, nada
menos de três, como resultado grotesco de uma tentativa sem pés nem cabeça de
uniformização delas em todos os países que falam português: a brasileira, a
angolana e moçambicana e a irresponsável que é a portuguesa.
Torna-se imperativo
o reconhecimento oficial de que a única ortografia que está em vigor em Portugal
é a que já vigorava antes das desastrosas pantominas que foram empreendidas
pelo Governo Sócrates.
No meio desta
vergonha, o mais simples é:
a) reconhecer-se que o AO nunca entrou em vigor por falta de
ratificação de todos os estados signatários;
pressuposto essencial
da sua aplicação que é o vocabulário ortográfico comum que nem sequer foi
iniciado;
c) suspender-se tudo o que se dispôs em Portugal quanto à
aplicação do AO, nomeadamente no plano das escolas, dos livros escolares e dos
serviços do Estado;
d) tomar-se a iniciativa de negociações internacionais com
vista a uma revisão e correcção do AO por especialistas dignos desse nome.
O Acordo
Ortográfico é tão mal feito que nem o Brasil o aceita… Logo à nascença, já era
um cadáver adiado. Com vénia de Fernando Pessoa, agora não se pode deixar que,
sem a necessária revisão, ele procrie seja o que for.
Vasco Graça Moura in Diário de Notícias, 2 de Janeiro de 2013
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